"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
(Campos, Álvaro de. Tabacaria. Portugal, 1928)

domingo, 16 de junho de 2013

Mudança de CEP.

 

 

 

“Boa noite,

 

Escrevo-lhe tarde da noite dessa vez, me senti no direito de mandar essa confissão por um menino de entrega e não pelo correio porque nos dias que passam o correio anda demorando para fazer suas entregas, e esse é um assunto importante.

 

Prometi incontáveis vezes não te escrever mais, porem como sabe estou aqui de volta, e confesso que mesmo quando disse que não era, quando não enviada e quando não queria que você lesse, no intimo torcia para a carta encontrar um caminho até você, você foi sim, e durante muito tempo, o único endereço que eu realmente conhecia, o único importante o suficiente para lembrar de números, o nosso lugar, 22/04, o suficiente para lembrar de alguns detalhes que serviriam de ponto de referencia para o menino do correiro, como a mureta, a escola e o ponto de ônibus e finalmente foi o único que me machucou o suficiente a ponto de eu querer registrar isso em cartas, minhas cartas foram apenas respostas à dor que me foi enviada em grandes caixas transbordando, e por possuir um coração muito apertado e uma alma muito rasa tive que transformar essa dor em palavras antes de devolve-la para o remetente.

 

Mas para a nossa alegria hoje é um dia diferente, já foi escrita e enviada uma carta com aquilo que elas devem ter, com amor. Como o amor é paciente e quase sempre aproveita cada segundo, pois cada segundo é perfeito pra quem se ama, enviei minha primeira carta de amor pelo correiro, espero que o carteiro não leia pois achei ela meio boba. O que me consola é que Fernando Pessoa disse uma vez que

‘Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.’

Isto posto, afirmo que não existiu carta de amor mais ridícula do que a que está agora em algum automotor a caminho de um novo endereço, um mais calmo, mais feliz, um endereço lindo em todas as épocas do ano, um que da horizonte, acolhe, apóia e abriga. Um endereço que marcou meu trajeto de um jeito inesquecível. Enfim, venho por meio desta, explicar que o motivo das cartar não pararem de chegar era a falta de um novo endereço, agora encontrado, portanto essa é a ultima carta. Bom pra ti, que não terá mais o incomodo de ler essas letras choramingosas e repetitivas, e bom para mim que descobri como escrever letras alegres e cheias de vida.

 

Um bom dia e uma boa vida. Até breve ou não e que a felicidade bata na sua porta com metade da força que ela arrancou a minha!

 

p.s não assinarei a ultima, estava ficando cansativo”