"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
(Campos, Álvaro de. Tabacaria. Portugal, 1928)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Quem lava a louça?



          Estávamos conversando sobre quem lavaria a louça naquele futuro ideal e entre segundas e quartas ou terças e quintas o assunto morreu em risadas, era uma segunda feira a noite com algum brilho na lua e um clarão de alegria nos dois pares de olhos que se entre olhavam. Era uma calmaria, depois de velejarmos por mil tempestades, depois de enfrentarmos mil monstros e depois de nos perdermos mil vezes, tínhamos uma calmaria. Era um abraço, algo para comer e a vista do infinito, como se nossas vidas fossem infinitas e ignorássemos o fato de que, se realizarmos todos os nosso planos, morreremos com 200 anos. Planejamos 3, até 4 vidas juntos e nem percebemos.
         Mas todo carnaval tem sua quarta-feira.
         Dormimos ao som do cavaco e acordamos cantarolando, sol a pino e sem ao menos imaginar que a última tempestade estava por vir. Porque é assim, se você já está sob a chuva até guarda seus pertences e se prepara para nadar, se não... E ela veio, foi então que percebi que navegando ali só tinha eu, estava eu velejando por mares revoltos enquanto ela podia nadar, Eu era barco. Ela era mar.
         Agora não adiantaria mais nada, era eu preso como um pilar ao chão e ela mergulhando e saltando sobre a água como se tivesse asas. Aquele navio afundou comigo, ao léu dos esforços daquela menina, estava eu, no fundo do mar, abraço comigo mesmo e esperando por nada.
         Recusei sim a oferta dela me carregar, já tínhamos tentado, não tenho asas, voltarei sempre ao chão ou serei peso morto, qualquer das possibilidades me dá arrepios. Por mim, velejava numa lagoa, ou melhor, velejava no quintal de casa, em terra firme, em segurança. Tenho medo de altura, também não voaria longe. Ela voou, eu fiquei.


        No fim não decidimos quem lavaria a louça, mas acho que está implícito, os dois lavam, cada um a sua, cada um na sua.


No fim os dois perdem, risos.

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